Pandemia agrava a crise das fábricas brasileiras, que tiveram cinco meses seguidos de queda. Especialistas apontam problemas estruturais, como a baixa produtividade e a falta de infraestrutura.
FONTE: ISTO É
Valéria França
DESPEDIDA Última foto coletiva com os empregados do chão de fábrica em 30 de outubro de 2019, pouco antes da Ford fechar (Crédito: Osvaldo Luiz/AE)
A indústria brasileira passa por tempos difíceis. A constatação não é nova, mas tem preocupado especialistas e o setor, como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), que concluiu um estudo sobre o segmento no início do mês. O índice de produtividade, que mede o volume produzido pelas horas trabalhadas, está em queda desde o último trimestre de 2020. Desde então, a perda acumulada chega a 7,6%. E deve cair mais 2%, segundo a CNI, no fechamento do último trimestre do ano. Para se ter uma ideia do tombo, a maior queda de produtividade já registrada pela indústria foi de 2,2 %, em 2008, ano da crise financeira global. Os dados do último PIB trimestral, divulgados pelo IBGE, ainda mostraram que o setor recuou pelo quinto mês consecutivo.
Esse cenário desapontador não tem a ver apenas com a crise da pandemia ou a última década perdida. A indústria vem perdendo espaço na economia há décadas. Em 1985, o setor representava 35,9% do PIB brasileiro. Desde então, acumula quedas sucessivas. Essa proporção chegou a 20,4% no ano passado, praticamente recuando ao índice de 70 anos atrás (em 1947, representava 19,9% do PIB). A saída recente de fábricas icônicas como a Ford (que estava há cem anos no País) e a Sony apenas estamparam um declínio que não tem fim à vista. Há anos os economistas apontam o risco de desindustrialização.
No período recente, entre os motivos apontados pela CNI, estão as incertezas do mercado (leia texto na pág.56 sobre a Selic). A combinação da pandemia com inflação alta deixou o consumidor mais pobre e endividado. Pesquisa do Serasa aponta que o número de brasileiros com contas a pagar chegou a 75% da população, que é afetada pelos altos níveis de desemprego. O brasileiro nunca usou tanto o crédito rotativo do cartão. Em outubro, este tipo de financiamento somou R$ 21,6 bilhões, o maior da série histórica do Banco Central. E a Covid ainda causou a ruptura de cadeias globais de produção, com a falta de chips. Isso penalizou especialmente as montadoras, o setor mais importante.
Mas há sobretudo razões estruturais. A produtividade da indústria automotiva caiu 31,6%, em 2020. A queda do setor só foi maior em 2016, momento de crise econômica e política. Quando se leva em conta a produção de carros, a indústria fabricou 2,9 milhões de veículos em 2020, 31,6% menos que 2019. Foi nesse cenário que a Ford encerrou as operações no País, em 2019, levando à demissão de quase 5 mil trabalhadores. “Há de se levar em conta que o hábito de consumo também mudou. Os jovens de hoje não são mais apaixonados pelos carros como antes”, diz Roberto Dumas, professor de Economia do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec). “Logo teremos o carro elétrico, que será mais sustentável.”
Mas essa afirmação aponta para outro problema. A indústria nacional não está se renovando na velocidade necessária. Está em curso uma mudança de paradigma, para a energia verde. Outro setor que vem sendo descontruído é o das confecções. A Restoque, dona da Dudalina, Le Lis Blanc, Rosa Chá e John John, entrou em recuperação extrajudicial no meio do ano passado. O acordo envolve a renegociação de R$ 1,5 bilhão em dívidas. No último ano, fechou 14 lojas no País. Na mesma época, a Inbrands, que engloba Ellus, Richard e VR entre outras grifes, foi pelo mesmo caminho, acentuando a crise do segmento. “A indústria ainda é muito protegida, com altas tarifas de importação. A economia fechada não dá espaço para a inovação”, diz Maílson da Nóbrega, sócio da Tendência Consultoria Integrada. Por isso, questões importantes como qualidade de mão de obra e inovação tecnológica não são acionadas na maioria das vezes. “Há 70 anos, a indústria automobilística é tratada como um bebê.” Para o segmento ser mais eficiente, um dos pontos seria a qualificação da mão de obra. “Ela é cara, se levarmos em conta que 37% da população não tem o Ensino Médio”, diz Dumas. As companhias acabam por treinar e formar o profissional por conta própria.
Os especialistas falam que uma mudança estrutural levaria décadas, mas é urgente. Uma saída seria investir na educação. “O governo precisa mudar a qualidade do ensino. Temos de acabar com essa história de partido político indicar diretor de escola”, diz Nóbrega. Segundo Dumas, com base no Programa Internacional de Avaliações de Estudantes, o Brasil levaria 70 anos para chegar ao nível de um país europeu em matemática. Em leitura, 260 anos.
Na visão dos especialistas, a indústria padece ainda de um problema causado por décadas de desatenção governamental: falta de infraestrutura eficiente. É difícil escoar produtos. Os gargalos logísticos em um país com proporções continentais são enormes. Mercadorias abarrotadas em portos, filas de caminhões parados nas estradas e rodovias sem segurança são alguns dos desafios. Falta eficiência até no quesito burocracia. “Calcula-se que a carga tributária esteja entre 30% e 40% dos ganhos da empresa”, afirma Joelsom Sampaio, professor da Faculdade de Economia da FGV. Ela representa hoje 33% do PIB. “Em um país como a China, a carga de impostos representa 20% do PIB.” Às vésperas de mais uma eleição presidencial, os candidatos deveriam ter respostas mais eficientes para a questão.
0 comentário