Por:Rosana Hessel – Correio Braziliense / FONTE: DP

Agro foi um dos responsáveis por puxar crescimento do PIB -  (Foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

As surpresas positivas na atividade econômica no início deste ano devem resultar em um bom desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do 1º trimestre de 2023, que será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quinta-feira. As apostas de analistas ouvidos pelo Correio indicam que o crescimento do PIB na margem (em relação aos três meses anteriores) deverá ficar entre 1,1% e 1,4%, acima da mediana das projeções do mercado em janeiro, de 0,8%.

Com isso, o dado trimestral do indicador de riquezas produzidas pelo país, do IBGE, vai apresentar uma boa recuperação em relação à queda de 0,2% do último trimestre de 2022, puxado, principalmente, pelos bons resultados do agronegócio, além dos estímulos fiscais que turbinaram o novo Bolsa Família, ajudando a aumentar o consumo da população mais pobre. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve tentar capitalizar politicamente esse dado positivo da economia em uma semana bastante tumultuada no Congresso Nacional. Por conta das pressões do Centrão, o governo corre o risco de perder várias pastas da nova estrutura ministerial se falhar na articulação política no Congresso.

No entanto, especialistas recomendam cautela na comemoração, porque esse desempenho mais robusto do PIB é nada menos do que um “voo de galinha”, porque não deverá se repetir no restante do ano. Segundo eles, na melhor das hipóteses, a atividade econômica fica estagnada ao longo de 2023, ou seja, vai andar de lado, diante de um cenário de desaceleração global, com risco até de recessão.

“Existe um vento contrário vindo do aperto do crédito e dos juros altos que deve provocar um tranco na economia pelo lado dos bens de consumo. No fundo, o preço das commodities está caindo, o que, historicamente, resulta em um PIB mais fraco. O Brasil é uma grande fazenda e uma mineradora e, como o mundo vai crescer menos, isso é um drive para puxar o PIB para baixo”, destaca Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original. Ele prevê recuo de 0,7% no PIB do segundo trimestre e ressalta que o consumo de bens e serviços dependerá da renda e do crédito, “que são sensíveis aos juros que estão em patamares mais altos”.

Como Lula sabe bem desse cenário nada animador que se aproxima, escolheu o Banco Central para jogar a culpa desse baixo crescimento, enquanto já começa a enfrentar resistência do Centrão no Congresso para aprovar as mudanças. Para analistas, a queda da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, deverá ocorrer a partir de agosto ou setembro, mas se o governo não resolver aumentar de 3% para 4% a meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho. A manutenção dos juros no atual patamar ainda não é descartada por bancos estrangeiros, como o BNP Paribas.

De acordo com os analistas, sem o ótimo resultado do agronegócio, o PIB de janeiro a março cresceria muito pouco neste ano. Pelas projeções do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), que prevê avanço de 10,7% da agropecuária na margem, sem a agropecuária, o PIB do primeiro trimestre cresceria 0,3% em vez de 1,2%. Eles ainda demonstram preocupação com o fato de que, ao mesmo tempo que Lula não cessa as críticas aos juros elevados e ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, o mandatário começa a meter os pés pelas mãos ao anunciar pacotes mal estruturados, a toque de caixa. É o caso do subsídio para a indústria automobilística que sequer tem fonte de receita em um Orçamento com contingenciamento de R$ 1,7 bilhão —, mesmo com ampliação da previsão de rombo fiscal de R$ 107,6 bilhões para R$ 136,2 bilhões, ou seja, 1,3% do PIB.

Riscos

Na avaliação de analistas, diante de novos gastos que estão sendo criados pelo governo, é provável que a recente melhora na curva futura de juros devido à tramitação do novo arcabouço fiscal seja temporária. O consenso entre as projeções de analistas, que se alinham com a estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, é que o governo não conseguirá zerar o rombo das contas públicas em 2024, como vem prometendo no novo marco fiscal.

Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria, por exemplo, prevê desempenho fraco para a economia no resto do ano e acredita que o resultado primário seguirá negativo em 2024, em torno de 0,5% do PIB. “O segundo semestre vai ser desafiador. A economia vai desacelerar, a arrecadação não vai surpreender, mas o governo não quer aceitar isso. O risco dessa história é que ele volte com a política de incentivos setoriais do passado, e essa conta vai estourar no fiscal. O governo precisa de aumento de receita, mas, como a economia vai crescer pouco e a inflação está perdendo força, não haverá a mesma surpresa de arrecadação que ocorreu em 2022”, alerta ela, que prevê altas de 1,4% no PIB deste ano e do próximo.

Apesar de elevar de 1% para 1,3% a estimativa de crescimento do PIB deste ano, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, espera recuo de 0,5% na atividade do terceiro trimestre do ano, de 0,5%, por conta do efeito de juros e do peso menor do agronegócio na atividade, “que é mais forte no primeiro semestre”. “A dúvida que fica é se esse número forte do primeiro trimestre será mantido no ano todo. As variáveis de ajuste a acompanhar são serviços e a indústria, que se recente de um mundo e um país com demanda mais fraca. O custo de crédito e as recentes dificuldades pós crise das Americanas colocam dúvidas para os setores industriais e de serviços neste ano, talvez mais no caso do varejo. O consumidor tem dado sinais de dificuldades de pagamento das dívidas, que podem ser visto na inadimplência da pessoa física, que tem subido com força desde o ano passado”, alerta. Segundo ele, “há chances de se ultrapassar os piores momentos da crise de 2015 e 2016 com o agravante de que a piora no emprego ainda deve vir junto com juros elevados até o segundo semestre”.

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre, ressalta a contribuição direta e indireta da agropecuária incluindo o processamento na indústria e os serviços transporte — na atividade no PIB equivale a 75% do crescimento do trimestre, de 1,2%. “Os efeitos positivos do agronegócio ajudaram a surpreender os dados em outras atividades, principalmente em serviços”, destaca. Ela reconhece que existe um risco de o governo querer estimular a economia a todo custo e, com isso, pagar o preço de uma inflação mais alta, uma vez que o processo desinflacionário ainda está em curso. “Não tem almoço grátis. As expectativas do mercado não estão ancoradas em 3%, mas em 4%, para 2025 e 2026, porque a mudança da meta entrou na conta, e isso atrapalha o processo.”

Na avaliação da especialista do Ibre, não adianta Lula atacar o Banco Central na atual conjuntura. “Se o país quer crescer sem aumentar a inflação. Não existe ajuste de demanda sem causar a inflação”, afirma Matos, recomendando que a demanda não pode ser estimulada se não houver capacidade instalada. “Se a indústria não conseguir atender a demanda que o governo tenta criar, o país vai colher mais inflação e mais juros. É preciso, primeiro, retirar os gargalos, como aprovar a reforma tributária. Senão, o Brasil não cresce ou cresce muito pouco”, reforça Silva Matos.

De acordo com as projeções de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, o PIB deverá registrar crescimento de 1,3% no intervalo de janeiro a março deste ano, mas ele reconhece que, no ano, o PIB pode crescer até 1,5%, apesar de prever estagnação nos trimestres seguintes. Um dos motivos é a incerteza em relação ao processo de desaceleração global, que pode ser mais forte a partir do terceiro trimestre, e o Brasil não deverá passar incólume. “Acho que as surpresas podem ser para pior nos próximos meses”, afirma. Para ele, o corte de juros na Selic ocorrerá a partir de agosto ou de setembro. “A inflação converge para a meta lentamente. Então, o Banco Central não vai relaxar na condução da política monetária, e, com isso, vai calibrar gradualmente a taxa nominal”, acrescenta.

Recessão técnica

Pelas projeções da XP Investimentos, haverá uma desaceleração forte no segundo trimestre, apesar das surpresas positivas do primeiro trimestre, que fizeram a instituição elevar de 0,9%, no início do ano, para 1,4%, na semana passada. A projeção da instituição é de que o crescimento do PIB passe de 1,4%, entre janeiro e março, para 0,3%, de abril a junho, e ainda estima uma possível recessão técnica — quando há dois trimestres consecutivos de PIB negativo — na segunda metade do ano. “A atividade está mais fraca, que é resultado da instabilidade política e econômica. A partir do terceiro trimestre, o PIB pode surpreender negativamente devido ao cenário externo”, destaca o economista da XP, Rodolfo Margato, que prevê um “pouso suave” para a atividade econômica dos Estados Unidos e demonstra preocupação com as incertezas sobre a recuperação da China, maior parceiro comercial do Brasil. Ele ressalta que o mercado de trabalho já está dando sinais de desaceleração e, portanto, deverá criar bem menos emprego em 2023 do que em 2022. No ano passado, a taxa de desocupação foi de 8%, passando de 2,04 milhões para 1,3 milhão. “O desemprego está subindo gradativamente e deverá encerrar 2023 em 9,2%”, afirmou.

Com uma das projeções mais conservadoras, o economista Matheus Pizzani, da CM Capital de alta de 0,8% no PIB anual, “sem viés de alta”, por conta da perspectiva de um impacto forte da política monetária na atividade econômica ao longo do ano. “Não tem espaço para mais surpresas positivas em 2023, porque o cenário será muito desafiador neste ano, tanto lá fora quanto aqui dentro”, completa.

Ao comentar sobre as críticas das autoridades de que economistas erraram muito nas estimativas ao longo de 2022, eles lembram que, nas projeções iniciais, que eram mais pessimistas, não estavam previstos os inúmeros estímulos que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criou, deixando várias bombas fiscais de herança para o atual governo. Um repeteco desse tipo de política de adotar medidas populistas só vai piorar o quadro das contas públicas, e, consequentemente, da economia doméstica.

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